Deputados estaduais criticaram uma resolução da Universidade Estadual de Roraima (UERR) que permite o ingresso de novos estudantes, a partir do vestibular de 2024, por meio do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A prova, aplicada em todo o Brasil, normalmente em novembro, é um dos mais tradicionais acessos ao ensino superior.
A resolução foi aprovada em 8 de maio e considera que o Enem permite que estudantes de diversas condições socioeconômicas e diferentes regiões tenham acesso igualitário às universidades. Trata-se de uma prova padrão em diferentes áreas do conhecimento que avalia os alunos de maneira abrangente e reduz os custos administrativos com a realização do vestibular.
Por outro lado, os parlamentares acreditam que a referida metodologia de acesso é problemática, ocorre em um cenário de discrepância de conhecimento, visto que as notas dos alunos da Região Norte são inferiores às de estudantes de outras regiões do Brasil, e os profissionais formados tendem a deixar o Estado após a conclusão do curso, o que prejudica a prestação de serviços à população roraimense.
O tema foi levado à tribuna da Casa Legislativa pelo deputado Jorge Everton (União). Para ele, causa estranheza a mudança repentina do ingresso à UERR sem antes haver uma consulta pública. Ao se referir à alteração em meio ao preparo dos estudantes para o vestibular deste ano, o parlamentar mencionou que não se mudam as regras do jogo com a partida em andamento.
“Os grandes centros têm os melhores ensinos. É desproporcional essa disputa. Das 510 vagas, apenas 272 são para ampla concorrência. Ou seja, já temos um funil que limita os alunos, e o ensino médio de Roraima tem uma pontuação menor frente ao restante do país. Essas vagas não vão ser ocupadas pelos alunos daqui, mas sim por quem vem de fora. Entendo que, enquanto Legislativo, temos a obrigação de, não havendo entendimento, anular esse ato absurdo”, declarou.
O presidente da Assembleia Legislativa, Soldado Sampaio (Republicanos), considerou que é preciso ter transparência e segurança no processo de ingresso na Universidade Estadual. Ele questionou também se os cursos oferecidos pela instituição estão em consonância com as necessidades reais para o desenvolvimento de Roraima.
“A UERR tem que andar em paralelo com o desenvolvimento de Roraima, assessorando esse crescimento em sintonia com o governo. Então não tem sentido a universidade marchar para um lado e o Estado para outro. A UERR tem que estar em diálogo permanente com os Poderes, as instituições, o setor produtor familiar e o agronegócio, e os servidores públicos. Temos que cobrar isso”, enfatizou.
O deputado Gabriel Picanço (Republicanos) fez a analogia de que, no mercado de negócios, o movimento do Poder Legislativo de buscar proteger os alunos locais pode ser encarado como “proteção de mercado”.
“Vamos proteger nossos alunos em Roraima. Em 2019, aprovamos uma lei que obrigava os estudantes que fizessem medicina a trabalhar dois anos no Estado. Infelizmente, ela foi vetada. Vamos propor novamente: que aqueles que vierem estudar na UERR, possam prestar serviço em Roraima, pois é mais do que justo. Precisamos formar filhos da terra para que trabalhem e contribuam com o Estado”, avaliou.
Denúncias chegam aos deputados
A deputada Joilma Teodora (Podemos) enfatizou que a causa dos estudantes é importante e descreveu que a medida adotada pela UERR vai prejudicar os sonhos dos vestibulandos. Ela disse ainda que tem recebido diversas reclamações de acadêmicos da instituição de ensino, como o desligamento de ares-condicionados sob a justificativa de falta de repasses de verbas.
“Tenho certeza de que esta Casa não vai permitir acabar com o sonho de tantos jovens. Quero somar meu apoio no que for preciso ser feito e aproveitar para dizer que, ultimamente, tenho recebido fotos e reivindicações de estudantes da UERR. Recebi uma foto mostrando que a instituição não tem refeitório e colocaram uns sofás que parecem ser do lixão. É preciso convocar o reitor para prestar esclarecimentos”, cobrou.
O deputado Chico Mozart (Progressistas) lembrou que, com a família, cuidou de uma faculdade particular no Estado, e presenciou o esforço dos pais para que os filhos pudessem estudar. Alguns deles colocavam um filho por vez para ter acesso à graduação devido às dificuldades financeiras.
“Sabemos que a escolha de um curso na faculdade não é um projeto do aluno, mas da família. Envolve pessoas que custeiam esses sonhos, pagam cursinhos, por exemplo. Não é um projeto a curto prazo. São quatro, seis anos em curso. Não podemos ser irresponsáveis com esses alunos que foram surpreendidos de forma equivocada. É importante convidar o reitor para que ele explique essa motivação. Acredito que esta Casa vai rever essa decisão para que eles não tenham os sonhos frustrados ou sejam penalizados”, expressou.
Já a parlamentar Catarina Guerra (União) disse que os alunos encontraram na Assembleia Legislativa a proteção que a UERR não deu.
“Qualquer ato que proteja cada um deles, é importante. Contem comigo. Quero dizer que não vemos um sinal contrário do governo do Estado [em relação ao repasse de verbas]. Temos um orçamento aprovado pela Casa que garante a continuidade dos serviços da UERR. Os repasses estão sendo feitos e as obras estão acontecendo para garantir a estrutura da instituição. Estamos dispostos a fazer o nosso papel e garantir o devido processo para que eles tenham o sonho alcançado, que é passar no vestibular”, opinou.
Pedido de providências
A deputada Aurelina Medeiros (Progressistas) participou da discussão e revelou que ela e o deputado Coronel Chagas (PRTB) apresentaram um ofício para convocar o reitor da Universidade Estadual, Cláudio Delicato. Se aprovado o requerimento, ele será ouvido pelas comissões de Educação e Administração.
“O que ouvimos de todos é que tem um ato, uma resolução. Mas que ato, por que essa mudança? Queremos ouvir e agir. Tenham certeza de que nesta Casa nunca passou algo que tenha sido contrário aos direitos das pessoas. Essa decisão drástica afeta as pessoas e precisamos conversar nestas duas comissões.”
Eder Lourinho (PSD) recordou que, em 15 de janeiro de 2024, enviou um documento para a UERR solicitando informações relacionadas ao tema em discussão. Contudo, até hoje, não recebeu qualquer resposta.
“Fomos surpreendidos por essa notícia, e vimos recentemente que funcionários e o reitor afirmaram que a UERR poderia parar os cursos por falta de recursos, um déficit orçamentário. Ia suspender o vestibular por falta de recursos. É preocupante. Mesmo que derrubemos a resolução, vamos discutir esses entraves da UERR”, pediu Lourinho.
Apoio dos deputados
O deputado Armando Neto (PL) afirmou que o tema deve ser discutido com urgência e que a convocação do reitor não pode ser adiada.
“Os alunos estão se preparando e a concorrência [com estudantes de outras regiões] é desleal em se tratando da metodologia que querem aplicar. Temos que dar oportunidade para quem é de Roraima, gerar oportunidade para as futuras gerações. Um Estado onde a economia é engessada, temos essa obrigação. É preciso saber o porquê dessa mudança. Se for necessário, vamos fazer remanejamento e ajustes financeiros”, projetou.
Por outro lado, o deputado Dr. Claudio Cirurgião (União) declarou que considera não ser necessário ouvir o reitor da UERR. “Não temos que perder tempo ouvindo reitor. Já estão claros os motivos. Ele quer tratar os alunos com equidade sabendo das discrepâncias em todo o país, e Roraima ocupa avaliação inferior. Nos outros ‘considerandos’ [presentes na resolução] ele quase diz que a UERR é incapaz de fazer um vestibular. Não vamos sustentar o ingresso não equânime”, enfatizou.
Marcos Jorge (Republicanos) reforçou que todo ato que será tomado precisa ser precedido de consulta pública para ouvir aqueles que serão afetados diretamente pela medida. O parlamentar comentou também que o governo federal não repassa recursos para a UERR, o que não justificaria usar o Enem como método de ingresso na instituição.
“Estamos com a resolução que está abrindo para qualquer aluno ingressar na nossa universidade. Roraima ficou de fora da contrapartida do Fundeb, ao lado de São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Os recursos do contribuinte roraimense arcam com 100% na Educação Básica e Indígena. Ficamos com 11% da população bancada pelo Estado, além do ensino médio e fundamental. Vamos abrir, dessa forma, o ingresso de qualquer parte sem ter contrapartida da União. Não é justo. Não somos contrários a que pessoas venham. Mas não podemos deixar de resguardar o sonho da família roraimense de ver os filhos ingressarem na UERR”, ponderou.
Por fim, o deputado Marcinho Belota (PRTB) afirmou que o orçamento anual da UERR é de R$ 80 milhões, e que “a grande maioria dos deputados apoia a causa dos estudantes”. “Contem comigo”, reforçou.
Texto: Josué Ferreira
Fotos: Eduardo Andrade/ Nonato Sousa
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