Um importante ordenamento jurídico, que estabeleceu novas diretrizes para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, completa 15 anos neste sábado: a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha. Desde que entrou em vigor, as discussões sobre os direitos das mulheres e a violência de gênero – restritas aos ambientes acadêmicos, governamentais e feministas –, tornaram-se cada vez mais comuns na sociedade.
Rompendo com a lógica das ações criminais restritas aos agressores, a Lei 11.340/06 inovou na proteção à mulher ao conjugar iniciativas de proteção, punição e prevenção, que devem ser aplicadas de forma articulada entre os três poderes – Executivo, Judiciário e Legislativo – e diversos órgãos públicos, tais como Ministério Público, Defensoria Pública, Juizados de Violência Doméstica e Familiar criados para este fim e com atendimento multidisciplinar.
A advogada do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (CHAME), órgão vinculado à Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), Nanníbia Cabral, explica que a abrangência dessas medidas tornou essa lei uma política pública que assegura direitos.
“A Lei Maria da Penha traz medidas protetivas para salvaguardar os direitos das mulheres. Traz as formas de assistência a ser prestada às vítimas, desde o acompanhamento pela autoridade policial, a atuação do Ministério Público e do sistema de justiça, a assistência social e psicológica, portanto, é uma importante conquista quando a gente fala em direito da mulher”, acrescentou.
Além disso, ampliou a definição de violência para abarcar a violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral, pois cada uma dessas categorias abrange um conjunto amplo de comportamentos. A violência física é o ato contra a integridade ou a saúde corporal.
Enquanto que a sexual viola os corpos e até mesmo o direito à escolha do método contraceptivo. Já psicológica é compreendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima.
A violência patrimonial constitui qualquer conduta que configure a destruição, total ou parcial, retenção, subtração, seja instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos. Por último, a violência moral caracteriza-se pelo crime de injúria, difamação ou calúnia.
Leis estaduais que reforçam a Lei Maria da Penha
E foi justamente para dar visibilidade a essa legislação vital no combate à violência contra a mulher que a Assembleia Legislativa de Roraima aprovou, e o Governo do Estado sancionou a Lei 1.004/2015.
Proposta pela deputada Aurelina Medeiros (Pode), a norma instituiu a divulgação da Lei Maria da Penha em todos os Estabelecimentos Públicos de Ensino do Estado de Roraima, por meio de cartazes, panfletos, banners, revistas, jornais impressos, murais, mídias no espaço escolar e ferramentas de comunicação afins.
Recentemente, o Parlamento roraimense também aprovou Projeto de Lei, de autoria da deputada Yonny Pedroso (SD), que proibiu a nomeação de agressores, condenados com base na Lei Maria da Penha, em cargos comissionados. Trata-se da Lei 1.486/2021, sancionada pelo governo em junho.
A vedação abarca a administração direta ou indireta e todos os poderes estaduais, e se aplica a pessoas com condenação transitada em julgado, ou seja, quando a decisão judicial tem caráter definitivo e irretratável.
De autoria da deputada Lenir Rodrigues (Cidadania), a Lei nº 1.054/16, autoriza o Poder Executivo a distribuir dispositivo eletrônico, denominado “botão do pânico”, para as vítimas de violência doméstica com medida protetiva judicial. Esse botão é para ser acionado sempre que a vítima se sentir em perigo.
A mais recente norma aprovada foi a Emenda à Constituição proposta pela a deputada Yonny Pedroso, que inclui no artigo 11 da Constituição Estadual, que trata das competências do Estado, o combate à violência doméstica e a discriminação conta as mulheres. O Estado deve dar auxílio jurídico e assistência social às vítimas e aos familiares.
ALE-RR e o combate à violência contra a mulher
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), num ranking de 84 países, o Brasil é o 5º que mais mata mulheres no contexto da violência doméstica. E Roraima, infelizmente, contribui para essa triste realidade.
Por isso, mesmo com legislações avançadas, o desafio é consolidar políticas públicas que acolham as vítimas adequadamente e/ou eduquem e inibam as agressões.
Já considerado um dos estados brasileiros mais violentos para as mulheres, os índices de violência doméstica e de feminicídio foram agravados na pandemia. Afinal, mais tempo em casa para muitas mulheres é também sinônimo de mais tempo com os algozes.
E a Assembleia Legislativa de Roraima conhece essa realidade, pois por meio do CHAME atua de maneira multidisciplinar – jurídica, social e psicológica – para reduzir as taxas de violência doméstica e familiar no estado.
Dados do Centro revelam, por exemplo, que antes da pandemia, em 2020, foram realizados 146 atendimentos presenciais. A partir de março de 2020, quando o programa passou a atender apenas pelo ZapChame (95) 98402-0502, até junho de 2021 foram contabilizados cerca de mil atendimentos, todos por telefone.
Diante desse contexto, a coordenadora do CHAME, Ana Paula Dias, faz um apelo para que as mulheres não se calem, denunciem e rompam o ciclo de violência. “O atendimento hoje com a pandemia está suspenso, mas estamos atendendo via ZapChame. Então, você que sofre algum tipo de violência doméstica ou familiar nos procure, denuncie. Não se cale”, orientou.
A advogada Nanníbia Cabral esclarece que o apoio do programa pode ocorrer antes, durante e depois da violência. “Nós estamos atendendo 24h por dia através do ZapChame todos os dias da semana, de modo que as vítimas podem receber orientação sobre a rede de proteção, onde efetuar a denúncia, identificar quais são os tipos de violência e o que pode fazer em caso de situação de violência iminente”, explicou Nanníbia.
Além de manter o serviço remoto, o Centro continua realizando ações sistemáticas para sensibilizar a sociedade sobre a importância da prevenção e do combate à violência, como duas recentes panfletagens educativas realizadas no Centro Cívico, e a promoção de lives que debateram sobre o acolhimento humanizado às mulheres agredidas.
Se precisar, Chame!
A população pode buscar apoio e/ou fazer denúncias ao CHAME (Centro Humanitário de Apoio à Mulher) pelos telefones: (95) 98801-0522 ou no ZapChame (95) 98402-0502. E ainda registrar queixa de violência doméstica nos canais de atendimento da Polícia Civil pelo número 180 ou 190 da Polícia Militar (PMRR).
Maria da Penha
A Lei 11.340/06 carrega no nome a dor e o ativismo da incansável Maria da Penha. Vítima de tentativa de feminicídio – homicídio quando o gênero, no caso a mulher, é determinante para o crime – pelo companheiro. Desde 1983 ela lutava na justiça pela condenação do agressor que a deixou paraplégica.
Mesmo após dois julgamentos, o ex-companheiro saiu pela porta da frente do tribunal (1991/1996). Maria da Penha não desistiu. Em 1998, obteve reconhecimento internacional quando denunciou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).
Em 2001, a CIDH/OEA responsabilizou o Brasil por omissão estatal em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras, e fez uma série de recomendações para reverter o cenário de impunidade entre os agressores e a falta de proteção, reparação e de dispositivos legais às vítimas.
Texto: Suellen Gurgel
Foto: Marley Lima
SupCom ALE-RR