A Comissão de Agricultura, Pecuária e Política Rural da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) promove, na segunda-feira (12), uma audiência pública para discutir a cadeia produtiva da pesca artesanal. O evento, solicitado pelo deputado federal Francisco Albuquerque (Republicanos), acontece na quadra de esportes da Escola Municipal Manoel Pereira, em Caracaraí.
“O nosso objetivo é ouvir todas as demandas da comunidade pesqueira do Estado e levá-las aos entes responsáveis pela pesca no Estado e no país, e, sabendo dessas necessidades, poder planejar políticas públicas para atender essa classe tão sofrida”, justificou o deputado federal.
O presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária e Política Rural, deputado Armando Neto (PL), reforçou que será discutida a cadeia produtiva da pesca artesanal. Ele destacou ainda que a escolha do local da audiência se deve ao fato de Caracaraí concentrar o maior número de pescadores do Estado, bem como ter um grande potencial para a pesca por causa dos rios e afluentes.
“Nesta audiência estarão presentes o ministro da Pesca [de forma remota], a sociedade civil organizada de Caracaraí e de demais municípios de Roraima, com a bancada federal. Vamos discutir essa cadeia de forma que tenha começo, meio e fim, para que possamos realmente atender às necessidades do pescador roraimense. Como fazemos parte da comissão que trata das políticas rurais do Estado, temos obrigação de dar uma atenção específica e o suporte necessário, para que o setor tenha condições de desenvolver o seu papel na sociedade”, justificou.
A discussão do segmento pesqueiro no Estado é de extrema importância na opinião do presidente da Casa Legislativa, Soldado Sampaio (Republicanos), devido ao considerável número de pessoas que tiram o seu sustento por meio da pesca artesanal. Ele ressaltou que é preciso buscar alternativas de criação de peixes e outras fontes de renda para os pescadores.
“O peixe faz parte da alimentação do roraimense, por isso esse é um tema relevante e de grande interesse da sociedade. Quero reiterar o convite a todos os pescadores e demais pessoas envolvidas com a atividade para participar deste debate, que contará com a participação de autoridades federais, estaduais, municipais, além da Assembleia Legislativa. O número de pessoas que tiram seu sustento através da pesca é muito grande. Essas pessoas precisam de políticas públicas que lhes dê mais condições de trabalho, que possam pescar com sustentabilidade, dentro da legislação ambiental”, destacou o presidente.
E os profissionais da pesca estão preparados para debater os assuntos que impedem o desenvolvimento da atividade pesqueira no Estado. De acordo com o presidente do Sindicato dos Pescadores e Piscicultores do Município de Caracaraí (Sindpesc), Georgino Ribeiro da Silva, entre os problemas enfrentados, está a falta de apoio governamental e de recursos para pagamento das despesas, principalmente de energia elétrica da fábrica de gelo, bem como para a manutenção dos equipamentos. Com duas contas de energia atrasadas, cada uma, em média, de R$ 7 mil, a entidade sindical está com a fábrica de gelo parada há cerca de um mês.
“O nosso gargalo são as contas de energia, trabalhamos o tempo todo no vermelho. Nem todos receberam o seguro-defeso, porque depois que saiu do Ministério do Trabalho para o INSS [Instituto Nacional de Seguridade Social] ficou difícil para os pescadores iniciantes, que têm de esperar pelo INSS, que alega falta de servidor para fazer o serviço. Quero muito falar para os nossos representantes que deem uma força para realizar o concurso do instituto, pois o pescador não pode ser penalizado. Tem gente que não recebeu nem a primeira parcela”, contou.
Outro desafio enfrentado pelos pescadores é a falta de apoio para transportar o pescado para Boa Vista. Sem esse auxílio governamental, eles são obrigados a vender o peixe para o atravessador por um preço inferior. Na cadeia pesqueira, perdem o pescador e o consumidor final, que compra mais caro na mão do intermediário.
“A hora é agora. Na audiência, temos que nos sentar e explanar todas as nossas questões que estão nos afetando, pois são os políticos que têm poder para trazer as instituições para esse debate. Vamos virar para o INSS e dizer qual é a nossa dor, assim como dizer para a Femarh [Fundação de Meio Ambiente e Recurso Hídricos] e para o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis]. Estamos com as cordas afinadas para falar isso”, afirmou o presidente do Sindpesc.
Carlos Alberto de Souza Taumaturgo tem 51 anos e chegou a Caracaraí em 1999. Natural do Amazonas, ele relembra sua trajetória na atividade pesqueira. “Pesquei toda a minha vida. Naquela época, para nós, o estudo era difícil. Tínhamos que escolher um rumo. Ou seguia a profissão do pai, que era pescador, ou trabalhava com seringa, sorva. Nasci e me criei na proa de uma canoa, comecei na popa da canoa do meu pai. A pesca não dá para enricar, mas dá para viver bem, dá para eu sustentar a minha família”.
Se recuperando de duas cirurgias na coluna, ele fala que gosta da profissão, mas que algumas situações vivenciadas no cotidiano o deixam entristecido e com receio de que a atividade pesqueira seja prejudicada, não por falta de peixes, mas pelas circunstâncias, imposições feitas pelo homem.
“Desde quando me mudei para cá, o rio Branco continua o mesmo, peixe tem bastante, mas a nossa área diminuiu, fatiaram uma parte para a preservação, outra para o turismo e nós ficamos com uma pequena. Ninguém quer que o turismo acabe porque é de onde todo mundo tira o sustento, mas fica difícil porque o peixe não fica na praia por conta da zoada das voadeiras. Eles se afugentam nos barrancos, onde tem muito pau, galhadas, e fica difícil a gente pegar. A solução seria reduzir a área de turismo de pesca”, explicou.
Para Taumaturgo, é preciso se pensar em projetos e políticas públicas que contribuam para a manutenção da atividade pesqueira, pensando nas futuras gerações. “Talvez na nossa idade a gente não alcance, mas os nossos filhos que já são pescadores e que vão se tornar seriam beneficiados. Teria que ter um frigorífico para armazenamento desse peixe. Se tivesse isso, melhoraria em 100%. Está faltando um frigorífico e um meio de levar esse peixe para vender na cidade. Isso melhoraria a vida de todos os pescadores”, disse, ao explicar que uma cooperativa também seria a solução porque tem fundo lucrativo e venderia o peixe para Boa Vista, além de mais área disponível para a pesca.
O pescador Orlandino Lopes, 54 anos de idade e há 33 em Caracaraí, disse que os pescadores sofrem um impacto grande no preço final do produto por falta de condições para conduzir para Boa Vista. “O preço agora está bom, mas quando começar a bamburrar o peixe, o valor cai para mais da metade. Ano passado, vendi três toneladas de peixe e não ganhei R$ 3 mil. Quando o preço está bom, nesta mesma quantidade, ganharia R$ 30 mil”, explicou.
Ele reforçou que não há escassez de peixes, pelo contrário, há um aumento nos próximos meses com o fim da piracema. “A partir de 15 de junho, terá arribação, uma fartura medonha, mamori, matrinxã, aracu, pacu. São peixes subindo do rio Amazonas. A pesca representa tudo para mim, se acabar eu estou morto porque não sei fazer outra coisa”, disse.
Expectativa de melhoria
A expectativa do presidente é que a entidade sindical melhore com o título de utilidade pública. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 68/2023, de autoria do deputado Soldado Sampaio (Republicanos), foi aprovado nesta terça-feira (6).
Com a ratificação do PDL em plenário, a instituição se torna apta a receber recursos públicos e privados para a manutenção e continuidade de suas atividades, permitindo que as ações do sindicato possam ser expandidas a outras pessoas.
“O Sindpesq presta relevante serviço à sociedade roraimense, em especial aos sindicalizados moradores de Caracaraí, sendo que essa entidade poderá desenvolver melhor ainda seu papel institucional, após decretada sua utilidade pública”, disse Sampaio, ao justificar o PDL.
A entidade foi fundada em 2006, quando Georgino assumiu a presidência. Durante esse período, os pescadores conquistaram espaço, como a fábrica de gelo, que era uma necessidade.
“Sendo de utilidade pública, o sindicato poderá receber emenda parlamentar, ajuda de organizações não governamentais, porque o que falta para nós são recursos. Com o título, qualquer parlamentar poderá alocar emenda, e aí teremos condições de estruturar o sindicato”, observou.
Texto: Marilena Freitas
Fotos: Jader Souza/ Marley Lima/ Nonato Sousa
SupCom ALE-RR