A Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) sediou, nesta terça-feira (5), um ciclo de palestras promovido em parceria com a Polícia Civil, a ONG The Exodus Road, a Operação Acolhida e o Programa de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania do Poder Legislativo. O tema central “A importância do combate ao tráfico humano e a crise humanitária” foi direcionado aos alunos do curso de formação da Civil.
Participaram do evento representantes do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal, Polícia Militar, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Corpo de Bombeiros Militar de Roraima (CBMRR) e empresa Cellebrite.
A delegada-geral da Polícia Civil, Darlinda de Moura Santos Viana, disse que é preciso chamar a atenção da sociedade para dois temas importantes: o tráfico de pessoas e a crise humanitária, que estão diretamente ligados. Para ela, esses assuntos exigem atuação urgente com compaixão, solidariedade e determinação.
“Essa realidade é enfrentada por Roraima devido às áreas de fronteira. Ao redor do mundo, mulheres e crianças são privadas de direitos básicos. Precisamos que a sociedade se una para combater o tráfico humano. [Migrantes] buscam dignidade e a chance de uma vida melhor. Todos, sem exceção, migrantes ou não, precisam de um estado seguro, inclusivo e propenso a defender os direitos humanos”, declarou a delegada.
A juíza Graciete Sotto Mayor Ribeiro, presidente do Comitê Estadual Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas, explicou que o grupo é formado por um juiz estadual, federal e mais um da Justiça do Trabalho. Ela afirma que todos buscam um objetivo comum, dentro da competência de cada esfera.
“Fazemos reuniões com parceiros, temos planos de trabalho, estamos à disposição da sociedade para buscar a diferença. Temos a questão migratória, de tráfico de pessoas, situações análogas à escravidão, uma região de fronteiras… Temos uma responsabilidade social. Os novos policiais que chegarão às ruas, devem ter conhecimento e um olhar diferenciado, atendendo o cidadão, garantindo direitos e sendo seres humanos”, enfatizou.
Compartilhando conhecimento
A diretora do Programa de Direitos Humanos e Cidadania, da Assembleia Legislativa, Socorro Santos, é referência nacional no enfrentamento ao tráfico de pessoas. Ela atua na temática há quase 30 anos e realizou uma palestra profunda sobre o que é o crime, como a rede de tráfico atua e orientou os policiais que participaram.
Ela apresentou exemplos concretos de tráfico de pessoas e reforçou que é preciso acreditar na vítima, respeitar a escuta e validar a história. Socorro mencionou que quase 100% das mulheres vítimas desse crime que já atendeu em Roraima precisaram deixar o Estado, porque eram perseguidas pelos criminosos.
“Por isso, esse ciclo de palestras é um momento importante para todos nós que trabalhamos na área, principalmente na prevenção ao tráfico de pessoas. Nosso objetivo é fazer com que esses alunos da Segurança Pública, quando comecem a desempenhar suas tarefas, façam o seu melhor a partir do conhecimento compartilhado aqui. Uma das dificuldades para combater o tráfico está na integralidade das organizações. Precisamos da integração de todos e entender que cada um é um ponto focal”, avaliou.
Socorro detalhou ainda os números do programa do Poder Legislativo, que já distribuiu mais de seis mil cartilhas sobre a Lei 13.344/16, que aborda o tráfico de pessoas, realizou palestras em mais de 40 escolas estaduais e conseguiu atingir mais de 10 mil pessoas. Além disso, quase 20 casos de exploração foram reportados às autoridades competentes.
Acolhida: o braço humanitário
O coronel Athos Souza, representante da Operação Acolhida em Roraima, explicou como funciona a força-tarefa humanitária e enfatizou que o sucesso das atividades é possível graças às mais de cem organizações do terceiro setor que atuam em parceria com o Estado Brasileiro. Segundo ele, cerca de 900 trabalhadores humanitários estão envolvidos na Operação Acolhida.
O militar afirmou que, desde o início da força-tarefa, mais de 127 mil migrantes venezuelanos foram interiorizados de Roraima, ou seja, foram transferidos para outros estados brasileiros por meio de um dos processos de interiorização. Athos mencionou que cerca de 600 venezuelanos ainda entram no Brasil, na fronteira de Pacaraima, todos os dias, e passam pelo fluxo da operação, como vacinação, documentação e orientações.
“Não tem nenhum caso no mundo como esse, de sucesso, porque as pessoas estão sendo integradas na sociedade brasileira. Não há criminalização da migração, combatemos a xenofobia, temos acolhida humanitária, integração e acesso igualitário aos benefícios sociais. Somos um país de diversas origens e convivemos bem com isso”, ponderou, ao acrescentar que a palestra sobre tráfico e crise humanitária é importante, principalmente porque o alvo da Acolhida são migrantes em vulnerabilidade, com alto risco de serem traficados.
A aluna escrivã Ana Karoline Oliveira disse que as palestras sobre o tráfico de pessoas foram importantes, “porque seremos a base da Segurança Pública, principalmente em Roraima, um Estado fronteiriço, que tem muitos casos desse tipo de crime que, às vezes, não são denunciados por falta de conhecimento”. “Estar neste momento foi uma oportunidade única para aprender”.
O perigo do celular
O delegado de Direitos Humanos da Polícia Federal em Roraima, Thiago Pereira, detalhou a lei sobre o tráfico de pessoas e alertou para os riscos do crime através das redes sociais, principalmente com quem está em situação de vulnerabilidade.
“Temos uma porta de entrada para o agenciador. Ele entra em nossos lares e busca aliciar as crianças ou as pessoas vulneráveis através do celular. A forma do aliciamento evoluiu com o tempo e temos que nos moldar às tecnologias. As diligências que eram in loco, hoje precisamos usar a inteligência artificial. Isso modela a atuação da Segurança Pública”, avaliou o delegado.
Pereira reforçou que o tráfico de pessoas pode ocorrer entre países, entre estados e até entre municípios de uma mesma unidade federativa. “Caso uma pessoa esteja trazendo um migrante sem ter um fim para isso [exploração de mão de obra ou sexual], estamos diante do crime de transporte ilegal do migrante para o Brasil, cabendo à PF apurar e levar aos órgãos competentes, Ministério Público e à Justiça”.
Combate internacional
A diretora da ONG The Exodus Road no Brasil, Cintia Meirelles, informou que a organização assinou um convênio com a Polícia Civil de Roraima e doou um equipamento de tecnologia avançada para ajudar na identificação e combate ao crime do tráfico de pessoas no Estado. Ela enalteceu que as parcerias com os agentes da rede de enfrentamento (secretarias, polícias, ministérios etc.) resultaram no resgate de 370 vítimas e na prisão de 40 criminosos.
“Nosso objetivo é capacitar as polícias, equipá-las e construir políticas públicas mais eficientes. Onde entra a parte da tecnologia? A Cellebrite doa os equipamentos de tecnologia e descobrimos onde há um centro de inteligência que gostaria e precisa da ferramenta para investigar o crime. E temos a felicidade de entregar esse equipamento para a Polícia Civil de Roraima”, anunciou a diretora da ONG.
Cintia lembrou que os migrantes, por causa da vulnerabilidade socioeconômica, estão mais suscetíveis a serem cooptados pelas redes criminosas. “Uma refugiada que cruza a fronteira, por que ela vai se submeter a ser uma profissional do sexo? Ela não faz porque quer, mas por uma necessidade de comida, de mandar alimento para a família. Por isso, precisamos estar atentos a essa população vulnerável, porque ela está mais próxima ao aliciador”, orientou.
Texto: Josué Ferreira
Foto: Nonato Sousa
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