OMS reconhece a Síndrome de Burnout como doença ocupacional – Marley Lima/ SupCom ALE-RR
“É uma escalada de desânimo, que se mistura com uma cobrança constante por resultados, e isso vai te estressando e você não se reconhece mais como um bom profissional. Você se autossabota o tempo todo, questiona para si mesmo se o que você está fazendo está correto, mesmo sabendo que você é um bom profissional. Desânimo, falta de vontade de fazer as coisas, cansaço, eu chegava a chorar antes de ir para o trabalho, porque meu emocional ficava extremamente fragilizado, você não quer encontrar aquelas pessoas, o ambiente se torna tóxico”.
O relato de André – nome fictício – revela a ponta do iceberg chamado Síndrome de Burnout. A doença, que entrou para o rol das enfermidades causadas pelo trabalho, pode apresentar quadros ainda mais severos, como crises de ansiedade, que também afetaram André inúmeras vezes, a ponto de fazê-lo buscar ajuda profissional e precisar de medicamentos para dormir. Em situações ainda mais gravosas, a Síndrome de Burnout pode causar depressão e trazer sérias consequências para o convívio familiar e social do paciente.
“Quando ia dormir, vinham pensamentos perturbadores que não me deixavam descansar. No dia seguinte, ficava ainda mais desanimado, porque se você não dorme, não fica bem. Foi quando decidi buscar um psicólogo e um psiquiatra para me ajudarem a recuperar minha saúde mental, e pedi demissão do trabalho. Ainda estou em tratamento, mas me sinto melhor. O que fica também é o trauma do mercado de trabalho: ‘Será que vai ser do mesmo jeito no outro emprego?’. E isso a psicoterapia auxilia bastante a enfrentar”, afirma André.
Lei aprovada pela ALE-RR
Segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout. Conforme o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social, no ano passado, 421 pessoas foram afastadas do local de trabalho por causa da enfermidade, classificada como doença ocupacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Frente a esse cenário alarmante da doença que tem tomado conta dos ambientes públicos e privados, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) aprovou a Lei nº 1.969/2024, que dispõe de uma campanha permanente nos espaços públicos para alertar os cidadãos sobre a Síndrome de Burnout, ainda pouco conhecida. As ações devem ser intensificadas no dia 10 de outubro, data escolhida para a campanha de conscientização. A proposta foi apresentada pelo deputado Dr. Claudio Cirurgião (União).
“É muito vista em profissionais da saúde, da segurança pública, da educação, que são submetidos a situações de trabalho exaustivo com grande comprometimento psicológico. Existem vários níveis da síndrome, podendo estar associada à depressão de difícil tratamento. Por isso aprovamos a lei estadual, para que esses profissionais, tanto da rede pública quanto da rede privada tenham esse acompanhamento”, declarou Claudio Cirurgião.
Para o presidente do Poder Legislativo, Soldado Sampaio (Republicanos), falar de saúde mental é necessário, por isso, além das leis que tratam do tema, ele lembra que a Superintendência de Comunicação incluiu na grade de programação dos canais legislativos – TV Assembleia, canal 57.3, Rádio Assembleia, 98,3FM, e redes sociais, @assembleiarr – programas e campanhas que abordam os cuidados com a mente.
“É importante que a população tenha acesso a essas produções para que saiba o que fazer se estiver precisando de apoio profissional. Às vezes, são sinais iniciais que passam despercebidos e que, no futuro, prejudicam a saúde mental e física. Por isso, a Casa Legislativa tem tratado desse tema através de projetos de lei e as leis já sancionadas, para que mais conhecimento seja difundido e ajude aqueles que precisam. Isso também é uma responsabilidade social deste Poder”, enfatizou Sampaio.
O que fazer se tiver sintomas?
O psicólogo Wagner Costa, que participa do quadro “Sua Mente de Ponta a Ponta”, no programa “Parlamento de Ponta a Ponta” da Rádio Assembleia, toda segunda-feira, às 9h, reforça que a diferença da Síndrome de Burnout para outras doenças mentais é que a causa está exclusivamente ligada ao estresse não tratado no ambiente de trabalho do indivíduo. Ele destaca que o primeiro sintoma é a sensação constante de negatividade.
“A pessoa começa a achar que está tudo ruim, começa a se enjoar de tudo, passa a ter uma visão negativa. O segundo sintoma é o cansaço físico, a pessoa começa a perder energia física e mental, está sempre cansada, o estresse a consome. Depois vem a falta de motivação em função desse cansaço, ela perde completamente o interesse pelas coisas. Consequentemente vem a dificuldade de concentração, por causa do estresse não tratado”, detalha o profissional.
Wagner menciona que outro indicador é a queda da produtividade, o que tem levado as empresas e órgãos públicos a se preocuparem com o excesso de estresse não tratado dos funcionários, que provoca também alteração de humor e a indiferença com o trabalho. O profissional destaca que, como consequência direta, o sono é afetado, desregulando o sistema imunológico e causando outras doenças. Por isso, a busca por profissional é importante, caso perceba a presença dos sintomas.
“Se estou numa empresa onde o ambiente é estressado, preciso conversar com os chefes, que precisam entender o que é a Síndrome de Burnout, compreender que o local precisa de reorganização. E isso passa pela redivisão do trabalho, quanto tempo cada pessoa trabalha, se estão levando atividades para casa, se estão preocupadas excessivamente. O importante é que cada um perceba esse quadro e busque ajuda”, destacou.
Três dimensões
A síndrome de burnout foi incluída recentemente na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como um fenômeno ocupacional resultante do estresse crônico no local de trabalho, que geralmente não foi gerenciado com sucesso.
De acordo com o psicólogo Wagner Costa, a condição é caracterizada por três dimensões principais: exaustão emocional, despersonalização e redução da eficácia profissional. “A exaustão emocional se manifesta como um esgotamento intenso, enquanto a despersonalização leva a uma atitude cínica em relação ao trabalho. Já a redução da eficácia profissional faz com que a pessoa se sinta incapaz e sem realizações no ambiente laboral”, esclareceu o especialista.
Origem
O termo burnout, que significa “queima” ou “combustão total” em inglês, ganhou relevância científica na década de 1970. O psicanalista norte-americano Herbert Freudenberger foi o primeiro a descrever clinicamente o fenômeno em 1974, caracterizando-o como um estado de esgotamento físico e mental intenso, associado à frustração no trabalho.
Paralelamente, a psicóloga social Christina Maslach e seus colaboradores também adotaram o termo para descrever uma síndrome psicológica em resposta a estressores interpessoais crônicos no ambiente de trabalho. Maslach identificou três componentes principais: exaustão emocional, despersonalização e perda da realização pessoal.
Desde então, o conceito tem sido objeto de extenso estudo científico, especialmente no campo da Saúde Ocupacional. Embora inicialmente associado a profissionais de serviços e cuidados, o termo expandiu-se para abranger diversas categorias profissionais, tornando-se um importante tópico de pesquisa e discussão no âmbito da saúde mental relacionada ao trabalho.
Texto: Josué Ferreira e Suellen Gurgel
Fotos: Marley Lima/ Nonato Sousa
SupCom ALE-RR