A intensa imigração de venezuelanos e as consequências socioeconômicas em Pacaraima foram tratados numa audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa na tarde desta terça-feira (19) no município, a 218 quilômetros de Boa Vista. O presidente do Poder Legislativo, Soldado Sampaio (PCdoB), foi representado pelo vice, Marcelo Cabral (sem partido), que sugeriu uma carta aberta, assinada por todos os atores envolvidos, com as demandas expostas, e a criação de um decreto federal para regularizar a entrada dos imigrantes.
Moradores pediram mais segurança pública e melhorias nos serviços prestados. Há mais de 20 anos residindo em Pacaraima, Egídio de Moura Faitão acompanhou de perto a criação do município.
“Não sou contra a Acolhida [Operação Acolhida]. Sou contra a forma como esse processo está sendo realizado. O sistema não pode ser feito do jeito que está. O Exército tem o dever de proteger a fronteira. A violência cresceu aqui e ele é responsável por nossa segurança”, argumentou o morador, um dos integrantes da comissão de emancipação de Pacaraima.
O aposentado Ari Silva cobrou melhorias no fornecimento de água. “A cidade cresceu, tem muita gente aqui em Pacaraima e não temos um serviço decente. A Caer [Companhia de Águas e Esgotos de Roraima] não se preocupou em fazer novo reservatório. Um absurdo isso. O abastecimento aqui não existe e a segurança pública está em perigo”, destacou.
O presidente da Caer, James Serrador, admitiu que a população cresceu devido à imigração. Segundo ele, obras significativas foram executadas com o aumento exponencial da demanda.
“Reformamos um reservatório elevado e um apoiado, perfuramos poços, fizemos extensão de rede, mas nada disso adiantou”. Mas para minimizar os impactos causados pela alta demanda, o presidente revelou que vai perfurar mais três poços artesianos em Pacaraima, a partir de novembro, dobrando a capacidade de produção de água.
Sonho de dias melhores
Com o fechamento da fronteira, muitos migrantes sofrem impactos substanciais, pois houve deportações coletivas e ilegais, inviabilizando a regularização migratória. Foi o que aconteceu com Ana Bela, de São Félix, Venezuela. Morando nas ruas de Pacaraima há mais de três meses, ela aguarda a liberação da documentação para seguir em frente. A meta é chegar ao Sul do Brasil.
“Agora, o que eu quero é uma autorização para poder ir para outro estado, pois tenho duas crianças pequenas que estão dormindo na rua. Preciso cuidar dos meus filhos”, reclamou.
Ela conta ainda que diariamente é hostilizada pelos moradores do município, o que lhe causa medo e insegurança. “Sou uma pessoa do bem, mas sei que tem muitos venezuelanos de má índole. Não quero pagar por uma coisa que não sou”, disse.
Ana Bela e milhares de compatriotas, muitos deles solicitantes de refúgio e de acolhimento humanitário, passam por situações constrangedoras nas ruas da cidade.
“Já vi muitos passarem por situações difíceis aqui, mas nem todos são marginais. Estou com outras mulheres e várias crianças, uma inclusive com deficiência mental, e só queremos fazer parte da interiorização”, revelou uma venezuelana que não quis se identificar.
A audiência pública contou ainda com a participação de especialistas jurídicos, lideranças políticas e indígenas do município, vereadores, secretários municipais, Polícia Civil, Comando-Geral da Polícia Militar, senador Telmário Mota (Pros) por videoconferência, deputado federal Ottaci Nascimento (Solidariedade), Defensoria Pública da União (responsável pelo sistema migratório em Roraima) e o alto escalão da Operação Acolhida. Todas as ONGs (organizações não governamentais) que estão instaladas no município foram convidadas a participar, mas nenhum representante compareceu.
Texto: Kátia Bezerra
Foto: Tiago Orihuela
SupCom ALERR