Para tratar das condições de trabalho dos garimpeiros e de operações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em áreas de garimpo, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) realizou audiência pública com representantes do setor na manhã desta quinta-feira (4).
O debate foi proposto e mediado pelo primeiro-secretário da Casa, deputado Jeferson Alves (PTB), e o resultado é um documento oficial que será entregue aos órgãos competentes para apurar os supostos abusos cometidos pelo Ibama.
“Nós vamos formalizar um documento e enviar às autoridades federais para apurar se houve mesmo abuso do Ibama. Esperamos que os responsáveis sejam punidos com rigor, pois vidas estão sendo ceifadas lá dentro por parte de um órgão federal que deveria proteger a fauna, e não bater em pessoas e queimar carros, tratores”, esclareceu Alves.
Responsável por controlar a produção, comercialização e uso do mercúrio (metal utilizado na obtenção de ouro que causa contaminação do solo e da água) no país, a autarquia federal, entre agosto e setembro, destruiu 59 pistas de pouso e apreendeu 11 aeronaves que serviam de apoio logístico ao garimpo.
Ainda houve a apreensão de oito veículos, três tratores e 15.150 litros de combustíveis, entre óleo diesel, querosene e gasolina de aviação. Já em outubro, um garimpeiro foi morto durante uma ação da Polícia Federal. Ambas as operações ocorreram em combate ao garimpo na Terra Indígena Yanomami.
Pioneiros de Roraima
O garimpo é uma atividade legal no Brasil, desde que a exploração obedeça a critérios sociais, econômicos e ambientalmente sustentáveis em áreas a serem definidas, como preconiza a Lei Federal nº 7.805/89 e o Estatuto do Garimpeiro (Lei Federal 11.685/2008). Ao mesmo tempo, a Constituição Federal confere ampla proteção aos povos originários e aos seus territórios.
Com quase 50% de Roraima composto por reservas indígenas e sendo os garimpeiros um dos grupos responsáveis pelo povoamento e desenvolvimento do Estado, a presidente da Associação dos Garimpeiros Independentes de Roraima (AGIRR), Carine Gonçalves de Farias, cobrou respeito à classe, lembrou o histórico de luta por direitos e a importância da extração do mineral para a economia.
“A irregularidade da demarcação da Terra Indígena Yanomami foi cometida pelo presidente [Fernando] Collor quando passou por cima com um decreto presidencial, pois o presidente [José] Sarney tinha visto a necessidade de proteger os indígenas e lhes deu uma terra proporcional e igualitária, e nós também tínhamos direito a uma terra para garimpagem, mas tiraram esse direito e a nossa dignidade. Com isso, nos calaram, nos tiraram a terra e nos marginalizaram. Nós, que geramos 70% da renda per capita do Estado, criando desenvolvimento, emprego e renda”, desabafou.
Apesar das apreensões do Ibama serem um dos um dos motes da audiência, o órgão não enviou representantes ao debate, o que gerou indignação dos garimpeiros, como externou o presidente da Cooperativa dos Garimpeiros de Roraima (COOGRO), Josias Licata.
“Nós trazemos provas, documentação dos abusos, e, infelizmente, não temos aqui uma das partes envolvidas citada. O Ibama não é polícia e está fazendo esse papel lá dentro do garimpo com armamento pesado”, afirmou.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa, Eder Lourinho (PTC), além de considerar as ações do instituto, também relembrou a responsabilidade do Governo do Estado em legalizar áreas para atividade e garantir condições de vida digna à população.
“Não estamos questionando se o Ibama deve fiscalizar. Deve, assim como a Polícia Federal, mas estamos ouvindo vários depoimentos sobre excessos. E o garimpo não é ilegal, a profissão é milenar. Mas o que temos hoje é um Estado omisso com os garimpeiros e produtores. Roraima cresce, mas não temos empresas que gerem renda e emprego, por isso muitos são obrigados a trabalhar no garimpo. Então, por que não se legalizam áreas de garimpo? Como tem no Amazonas, no Mato Grosso”, argumentou.
Para o garimpeiro e membro da AGIRR Pedro Franco, é justamente a falta de políticas públicas que faz, especialmente, os menos escolarizados migrarem para uma profissão estigmatizada e desenvolvida clandestinamente em condições precárias.
“O garimpeiro está lá no mato não é porque ele quer, é porque precisa e não tem emprego. O Estado de Roraima não tem emprego para todo mundo, tem para gente da prefeitura e do governo. E no garimpo tem gente analfabeta, de idade. Enfim, quem não tem condições de vida e precisa sustentar a sua família, pois garimpeiro não é bandido. A gente precisa trabalhar para garantir a sobrevivência”, disse.
O deputado Jeferson Alves concluiu a audiência questionando a criminalização de quem labuta na atividade, já que os mesmos órgãos que coíbem os pequenos garimpeiros fazem vista grossa às grandes mineradoras.
“As pessoas estão atrás do sustento para manter suas famílias, pois o Estado não dá oportunidade. E, infelizmente, a gente não consegue enxergar essa mesma perseguição, essa mesma audácia por parte dos órgãos federais quando se trata das grandes mineradoras. Alguém já ouviu falar de algum tipo de ação do Ibama ou do ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] em grandes mineradoras do país?”, questionou.
A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Assembleia (canal 57.3) e redes sociais (@assembleiarr), e também contou com a participação do coordenador do Movimento Garimpo Legal (MGL), Kleiton Alves, e do coordenador do Fórum de Roraima, Jailson Mesquita.
Texto: Suellen Gurgel
SupCom ALERR
Fotos: Alfredo Maia e Nonato Sousa