“Mesmo com o avanço das últimas três décadas, a discriminação racial permanece presente”. A afirmação foi o pontapé inicial para os debates do encontro em alusão ao Dia Nacional da Consciência Negra, na Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), nesta sexta-feira (19).
A discussão foi proposta pelo deputado Jalser Renier (SD) após pedido do presidente do Solidariedade Igualdade Social de Roraima, Andryel Morais Mendes, e teve como temas políticas de igualdade racial e de inclusão, racismo estrutural e institucional, cotas raciais e violência crescente contra a população negra.
Entre os debatedores, representantes da Ordem de Advogados do Brasil-Seccional Roraima (OAB-RR), ativistas, entidades e movimentos sociais relacionados à causa do combate ao racismo e da valorização da diversidade e da cultura afrodescendente.
Andryel Mendes ressaltou que os avanços para um país mais igualitário e sem racismo foram significativos, porém há muito o que se fazer. Debater as pautas raciais ainda é a melhor forma de desconstruir o racismo e o preconceito. “Precisamos erradicar fatores sociais discriminantes e criar políticas públicas que possam ser adotadas para a construção de um futuro mais justo às minorias, como pretos e indígenas”, enfatizou.
Ainda segundo Mendes, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a educação no Brasil apontam que o analfabetismo é três vezes maior na população preta e que dos 15 milhões de desempregados, 9 milhões são pretos.
O secretário do Partido Verde-Afro, Max Reis, elencou estatísticas preocupantes em relação ao povo negro em Roraima. Segundo ele, a população preta no Estado é de 50 mil e é a que mais morre por motivos violentos. “Os dados nos mostram que de 2016 a 2018, o índice de negros mortos chegou a 87%. Somos os mais discriminados”, destacou.
O questionamento foi inevitável. “Quantos negros ocupam os espaços públicos em Roraima? Temos deputado negro? Governador? Apenas um negro ocupou um cargo importante há muitos anos, a Prefeitura de Boa Vista, e nunca mais colocamos ninguém lá”, se referindo ao ex-prefeito e ex-deputado estadual Barac da Silva Bento.
Num discurso emocionado, o advogado membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-RR, Hygor Vinícius Carvalho dos Santos afirmou que as discussões são dedicadas à reflexão sobre a inserção do preto na sociedade brasileira e que o racismo estrutural corrompe e massacra a democracia. “Somos heróis da nossa própria resistência. Quando um preto caiu, todos nós caímos, mas nos levantamos em seguida. O racismo está presente e precisamos quebrar essa barreira tão cruel”, avaliou.
O ativista socioambiental e acadêmico de Direito e Políticas Públicas Yano Rodrigues da Silva falou sobre racismo estrutural e institucional. Parafraseando Marielle Franco, militante pela causa preta e vereadora do Rio de Janeiro, morta em 2018, ele contextualizou a história racista brasileira.
“Marielle Franco dizia que o corpo negro é elemento central da reprodução das desigualdades, pois está nos cárceres, favelas e periferias. Por muitos anos, o país não buscou promover políticas públicas que pudessem rever os danos causados pelo sistema escravocrata e com o governo que temos hoje, esse problema se agrava”, observou.
O presidente da Associação dos Moradores do Bairro Operário e presidente do Solidariedade Jovem Roraima, Mateus Rodrigues, propôs a elaboração de um documento para criação de políticas públicas afirmativas para a população preta. A intenção é entregar o relatório aos deputados estaduais na construção de projetos de lei.
“Temos um trabalho fraternal na igreja e vemos na prática que o racismo existe, mas estamos unidos em prol de um bem maior. Precisamos de mais solidariedade e a juventude tem tido um papel importante. Esse encontro de hoje será relatado num documento que vamos entregar ao Poder Legislativo”, afirmou.
Pelo “Movimento Negro Lenir Rodrigues”, Domingos Wiliams dos Santos também representou a deputada Lenir Rodrigues (SD), defensora de pautas sociais e das minorias. Santos explanou sobre racismo e políticas públicas, e contou sobre sua experiência e dificuldade na busca por uma vaga de trabalho no mercado em Manaus, no Amazonas. “Fui vítima de racismo ao pleitear um emprego num supermercado e foi muito claro que não fui selecionado porque sou preto. Fiquei sem reação e saí de lá chorando”, desabafou.
O encontro contou com apresentação musical do cantor guianense Mike Guy-Bras e do rapper MC Frank.
Zumbi dos Palmares
O Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, remete à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, considerado um dos maiores líderes negros do Brasil, símbolo de resistência e luta contra a opressão e escravidão.
Texto: Kátia Bezerra
Foto: Marley Lima
SupCom ALE-RR