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BUSCA POR REPRESENTATIVIDADE
Assembleia Legislativa de Roraima reforça luta por aumento de participação feminina na política

Todos os brasileiros alfabetizados, com idade entre 18 e 70 anos, devem ir às urnas a cada dois anos. Se hoje a obrigatoriedade do voto gera debates, antes foi a conquista desse direito que mobilizou, desde o século XIX, movimentos pela participação das mulheres na política. Para relembrar as lutas pelo sufrágio feminino, a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 008/2019, sancionado como a Lei Estadual 1.323/2019, que incluiu o 24 de fevereiro como “Dia Estadual da Conquista do Voto Feminino” no calendário de eventos oficiais.

A trajetória política da autora do PL, deputada Aurelina Medeiros (PP), se confunde com a de Roraima. No sétimo mandato (1995, 1999, 2007, 2011, 2015, 2019, 2023), ela, que viu de perto crescer e minguar a participação feminina no Parlamento estadual, avalia que a luta pelo voto não deve ser esquecida e que o desafio, ainda atual, é incluí-las nos espaços políticos.

“O dia 24 de fevereiro [de 1932] foi quando as mulheres passaram a ter direito ao voto com decreto daquela época. Mas de lá para cá, lutamos para inseri-las no contexto político, pois elas são a maioria dos eleitores, mas têm baixíssima participação no Congresso Nacional. Aqui, na Assembleia, temos um percentual maior, mas já tivemos mandato com apenas duas mulheres”, recordou.

 

 

O voto feminino foi facultado, sob o governo provisório de Getúlio Vargas, com a criação do Código Eleitoral Brasileiro em 1932 (Decreto 21.076), e incorporado à Constituição em 1934, na lei que determinava que é “eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção do sexo”, ainda que, à época, o direito fosse restrito àquelas com função pública remunerada e cerceado pela tutela do marido.

A evolução veio a duras penas e o sufrágio feminino, sem a ambiguidade da pena da lei, consolidou-se com o Código Eleitoral de 1965.

Hoje, quando uma jovem emite o seu primeiro título de eleitor, há um pouco do DNA da mossoroense Celina Guimarães, a primeira brasileira a votar; de Alzira Soriano, a primeira prefeita eleita – cidade de Lages (RN); Bertha Lutz, zoóloga feminista e política, que criou em 1919 a Liga para Emancipação Intelectual da Mulher, e de tantas outras anônimas que foram às urnas em apoio à emancipação feminina e à equidade de gêneros.

A roraimense Gláucia Barbosa de Melo, de 83 anos, faz parte desse grupo. Mesmo dispensada de votar, ela continua a cumprir o papel que desempenha desde a década de 1950, quando Roraima se chamava Território Federal do Rio Branco.

 “Eu comecei a votar muito jovem, pois um tio que queria ser candidato descobriu que papai não tinha nos registrado e adulterou nossa idade. Eu ‘fiquei gêmea’ do meu irmão, mas isso aí não me prejudicou. Sempre fiz questão de votar. Às vezes, alguém me indica um candidato e eu voto porque gosto da pessoa, mas sempre pesquiso antes e vejo o que ela já fez e pode fazer”, contou.

 

 

Com 3 filhos, 11 netos e 10 bisnetos, Gláucia é uma dona de casa ativa que complementa a aposentadoria com o ofício de costureira. “Eu gosto de votar e me sinto bem, pois, às vezes, por causa de um voto, aquela pessoa não é eleita e aí quem sabe o meu não ajuda. A minha intenção é essa”.

Ela ainda ressalta que uma das suas motivações centrais é ajudar a eleger outras mulheres.

“Tenho preocupação de votar principalmente nas mulheres. Faço uma pesquisa na internet e se vejo que ela é do meu agrado, voto com o maior prazer. Prefiro votar numa candidata. Nós tivemos tanto tempo sem ter esse direito, que precisamos aproveitar essa liberdade muito bem”, afirmou.

E é na esperança de que essa liberdade constitucional continue se renovando, que a aposentada deixa um recado para as jovens eleitoras. “Eu peço a essas meninas de 16 anos que tirem seus títulos e exerçam sua cidadania. Votar é muito bom, porque a gente consegue colocar no poder as pessoas que merecem”, aconselhou.

Espaço político

No Brasil, as mulheres representam 53% do eleitorado. Em Roraima, elas são 51,3%, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O resultado do último pleito não deixa dúvidas quanto à sub-representação em relação aos dados globais.

Na Câmara dos Deputados, elas conquistaram 17,7% das 513 cadeiras em disputa. Na Assembleia Legislativa de Roraima, dos 24 deputados eleitos, apenas 5 são mulheres, 12% do total, um decréscimo em relação à legislatura passada (2019-2022), na qual elas ocuparam 25% do Parlamento.

Furar o bloqueio dessa organização sexista, segundo a deputada Aurelina Medeiros, exige que as mulheres vão além das cotas de participação – como a estabelecida pela Emenda Constitucional (EC) 117, na qual os partidos devem indicar 30% de mulheres para candidaturas, e o segmento tem direito a 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e 30% do horário eleitoral de rádio e TV – e se comprometam com a proposição, formulação e decisões partidárias, ou seja, ocupem os palanques, os diretórios, tribunas e se apropriem da atividade política.

 

“Temos cotas para sermos candidatas e isso obriga os partidos a preencherem 30% das vagas com elas. Ainda há muito no nosso meio a questão cultural e da submissão, mas geralmente as mulheres vão só participar, não existe engajamento de dizer ‘meu espaço também é aqui’. Ela precisa acreditar que é capaz de fazer muito mais, pois quem cria um filho para o mundo, está apto a criar um mundo melhor. Eu sempre digo e luto por isso, pois a participação da mulher tem que ser efetiva”, defendeu a parlamentar.

Na visão de quem acompanha o processo eleitoral na outra ponta, a desembargadora Elaine Bianchi, presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), o momento é de colocar em prática os avanços da legislação.

“Eu imagino que o processo de evolução de consciência política seja demorado. Nós temos muitas vozes, não só mulheres, mas os índios, negros, adolescentes que passaram a ter direito ao voto. Isso é um processo evolutivo e nós sabemos que ele é lento. Então, agora, vamos para a segunda etapa de concretização da mulher nesses espaços por meio de leis obrigatórias, como a que amplia a participação para 30%.”

 

A segunda etapa implica o trabalho de conscientização do processo político com o envolvimento de todos os entes, no qual o público feminino deve apreender que as políticas públicas voltadas para o segmento têm mais chance de ser acolhidas e implementadas quando idealizadas por seus pares.

“Para que os nossos direitos sejam concretizados, nós precisamos ter o olhar da mulher lá dentro dos projetos de lei que interessam a ela, como a Lei Maria da Penha. Se nós não tivermos uma representatividade efetiva nesses ambientes, essas leis vão ficar sempre em segundo plano. Precisamos estar presentes não só porque a lei obriga, mas porque somos cidadãs, temos direitos e necessidades que precisam ser atendidas”, afirmou a desembargadora.

 

Mudança de paradigma

Quando a casa ficou pequena para os anseios de independência, a mulher fruto da Revolução Industrial começou a colocar em xeque paradigmas forjados na sociedade patriarcal e/ou machista que a enxergava subserviente ao marido e limitada à maternidade e aos afazeres do lar. Foi nesse contexto que, segundo a cientista política Geyza Pimentel, professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR), o voto virou assunto feminino.

“A mulher era subordinada ao pai, depois passava a ser subordinada ao marido. Quando ela vai trabalhar fora, nas fábricas, começa a conhecer um pouco do processo político e questionar por que só os homens podem votar”, esclareceu.

 

 

 

Apesar de relevantes, essas transformações sociais – 47% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, conforme dados do IBGE – não foram capazes de alterar drasticamente o ambiente político, porque “a política partidária é muito cara”. “É um processo bem estruturado, profissional, onde se passa anos se preparando para aquilo e os recursos que vêm do fundo eleitoral para as mulheres são deficitários, e como muitas não atingem esse processo, elas se desestimulam”, alertou a cientista política. 

 

 

Na sala de aula

Como diminuir a sub-representação feminina, se as estruturas partidárias são engessadas, tendem a financiar quem já está no poder e o país não permite candidatura avulsa? Para Geyza Pimentel, uma das possíveis soluções pode começar numa discussão em sala de aula.

“É com as meninas que precisamos conversar na escola. Deveríamos ter uma disciplina para saber qual o papel político, porque a partir de 16 anos já se vota e elas precisam saber quem é que está ali para representá-las”, sugeriu.

Quem compartilha da mesma opinião é Ana Luíza Lima, de 16 anos, estudante do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Lobo D’Almada, que começou a se interessar por política por influência da família envolvida com causas sociais e debutou nas eleições ano passado.

 “Nas turmas do segundo e terceiro ano, não temos um projeto, algo para debater que junte todo mundo. Então, como o adolescente vai se impor e aprender sobre os seus direitos, sobre o voto? Tenho certeza de que, se maioria das escolas desse o incentivo, eles teriam o mesmo pensamento politizado que eu. Mas a escola só se preocupa com vestibular e não ensina para a vida adulta”, desabafou.

 

 

Segundo a jovem, o resultado dessa falta de diálogo na escola é o esvaziamento do pensamento crítico que reflete, por exemplo, no voto tutelado, nas falas clichês dos colegas de classe recém-alistados no processo eleitoral e no alijamento da equidade de gênero.

“A maioria da minha turma votou obrigada pelos pais e questionava por que precisava tirar o título se ‘tudo é ladrão, tudo rouba, para que eu vou votar nele?’. E isso é muito ruim, pois precisamos da igualdade e a mulher precisa participar mais da política. Elas são a maioria, mas se tornam poucas com relação à política. E a política é o que move o mundo”, concluiu.

 

 

Texto: Suellen Gurgel

Fotos: Eduardo Andrade/ Jader Souza/ Nonato Sousa

SupCom ALE-RR 

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